quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
Lines for people after the party
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Consideração da noite azul
De resto, escutar isso na bicicleta, o vento na cara, e não ter vontade de entrar embaixo de um caminhão. http://www.youtube.com/watch?v=pau8Zf7srlU
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
A mulher mais linda da cidade
"Mas ela era do mundo em que vivem as coisas mais belas
Têm o pior destino:
Pedi bebida para ela. Depois olhei. Estava com um vestido de gola fechada. Cass jamais tinha andado com um traje desses. E logo abaixo de cada olheira, espetados, havia dois grampos com ponta de vidro. Só dava para ver as pontas, mas os grampos, virados para baixo, estavam enterrados na carne do rosto.
(Do velho Buk)
sábado, 16 de novembro de 2013
O degrau de Kafka
É uma nuvem, agora, de cicatrizes e nada. Quando assistisse Aos Treze e quisesse se matar, quanta ironia, quanto grito preso. Definhava, tua alma definhava mesmo, e se não se esvaiu a tua força era mesmo maior que a deles. Aí está: tinham medo da vida livre, e te proibiam de dar aos mãos pra ela e encontrar um sorriso sincero e despido de palavras hipócritas. Cruel é pouco, é. Mas te salvasse dessa.
E a tua mãe, a tua última lembrança; os vidros quebrados e as vozes; o cabelo desgrenhado e o espírito sujo. O que fizeram com tua mãe, também. As pessoas enlouquecem sozinhas, são enlouquecidas pelo próprio reflexo no espelho em neón piscando.
E a tua flor, a carne da tua carne, que está plantada em solo infértil mas tem a fragrância da persistência. É coisa mesma da tua família, persistir na lama, pensa só. Os mais inteligentes são os mais explorados, ó ironia, sobrenome do destino. As tuas três flores: uma pisada e resfolegante se recupera; uma te conhece de longe e não te acena; a última, por fim, teve um começo trágico atrás das grades. Qual tua flor decadência preferida? Elas são suficientes pra te manter de pé, ao menos.
E a raiz de onde viesse, bruta flor: um olhar árido, de águia. É o teu, também, aquele olhar que vê os percalços do caminho mas vê a beleza da terra de onde sai tudo, também. Uma boa herança, essa tua busca incansável pela beleza.
Os teus vícios e vicissitudes ficaram pelos degraus, juntando-se uns aos outros na lista mental de quem és, junto com tua perplexidade em frente ao espelho: ficarei louca?
No teu sorriso coube dor, e cabe. Conseguisse subir a escada vacilante da tua vida até agora. Torta e pendurada, tropeçando e se arrastando pelo carpete mágico do absurdo - daí é que gostas tanto de Kafka, menina? - e se agarrando no corrimão do fiapo da tua esperança. Sabes que se a vida é 'cordial quando nega e escassa quando dá', há ao menos algo a ser levado, trazido, buscado e pesado com a balança do teu cérebro racional de homo sapiens dementis.
Outro degrau, e outro e outro. Infinitos degraus, sabe. E você sobe e cai, mas não terá de começar de novo dando cabeçadas na parede ou gritos no escuro da noite ou uivos pra lua mórbida: a tua voz tá guardada num canto da tua existência, os teus cabelos escondem tua cara no vento e tuas mãos tão firmes no corrimão pouco do tempo, teus pés tão firmes mas não plantados, movimento!
Se pudesse
Caminhava se eu pudesse deixar de caminhar
Sentava-me à sombra da nogueira azul do céu
Se eu pudesse deitar-me deitava-me
Numa cova com a forma do meu corpo em
Repouso se eu pudesse deixar de cantar
Fechava os olhos e olhava o alto vazio
Onde não acontece nada a não ser
A conciliação provisória do caos
E da luz que não se cansa de nascer.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
A cell block letter
You enjoyed my music, didn't you? It was particularly tender when you asked me to put something on, as soon as I got home from work: I was always pleased. Our future as the cooks in the house, so bright! Even cleaning along with your cynical complaints was nice. You were the only person in the family to whom I could talk freely, and that was the least we would accept from each other.
So wildly loose you were. Left to your own fate, thrown against the walls of the world. But wild freedom, mon petit, is a tricky path: if you seek it too much, you get stuck either in insanity or inside the very rules you despised. I told you, I told you....
And you're stuck. I barely know where you are, the conditions are not clear: we just know you're suffering with bad food (if you have any), mistreating and overcrowding (and if you, who enjoy space so much, have a square meter to sleep, maybe it's good).
Our father is worried. Our brother is worried.
I cry every night. Doesn't help, but I can't help it.
I just hope you're not dragged down to the sour path these men with you are in. And I hope there's some sunlight for you everyday: the sunny days have been beautiful, but not enought without you in them, and that way we could share them.
sábado, 9 de novembro de 2013
A Flor Imaginária
Lavava a louça, ouvindo Pink Floyd, e olhava para a janela, para a noite imóvel, absorvida nos ecos da mente e da memória. O dia, o silêncio (The White Silence, como quer London), e um pensamento apareceu - popped, como se diz em inglês: caiu literalmente em algum lugar do meu pensamento e imediatamente criou raiz. A flor imaginária. Um arrepio subiu pela espinha; é o nome para algo que nunca havia sido nomeado. Uma ideia para um poema, uma história - uma vida, talvez.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
The path is closed for lack of sensibility
Read more at http://www.brainyquote.com/quotes/quotes/e/edvardmunc104801.html#ZQGH2d0sfDTQldGB.99
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Não-pensar
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Strings
Frio na barriga é pouco; meus nervos esticam e rangem como uma corda tensa.
The air is like a knife cutting through us,
a room in the house is always warm,
stretched out on the bathroom floor thinking,
of fair days the future may hold.
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Imagem: http://www.jinarimountain.com/drawings-and-sketches/broken-guitar-strings
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
Cigarro, na falta de afeto.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Tangled up in blues
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Between the age and the hour
Shouldering your loneliness
https://www.youtube.com/watch?v=Dkyiu3GZ8eQ&index=5&list=PL9YWtZiQ5VsU4364yqDJp9IeMhSHdZMgK
sábado, 5 de outubro de 2013
No descomeço era o tempo
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Da Fuga
"Perdi-me muitas vezes pelo mar
com o ouvido cheio de flores recém-cortadas,
com a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes me perdi pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.
Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém nascido,
olvide as imóveis caveiras de cavalo.
Porque as rosas buscam em frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
que imitar as raízes sob a terra.
Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando
uma morte de luz que me consuma."
García Lorca
domingo, 22 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
Mad World
Por trás das grades do contentamento
Há um vestígio de pensamento
Inútil (porém) ?
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All around me are familiar faces
Worn out places
Worn out faces
Bright and early for the daily races
Going no where
Going no where
http://m.youtube.com/watch?v=4N3N1MlvVc4&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3D4N3N1MlvVc4
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Dance of Death
Decidi dizer;
Agir, não agir.
Pensar, se esconder.
Não pensar, fingir,
Recordar, dizer.
Apagar, viver,
Recordar, morrer.
Decidi não ser.
Não ser mais terrena:
Só serei do avesso.
Decidi morrer
Com o sonho oculto
Que me invade o sono,
Me sorri e sussurra;
Me estende os braços
Em que me abandono;
Me censura a ira,
Pretende um começo.
Roça o cabelo
Cor de areia
No meu rosto
Tão suavemente...
Desfaleço.
http://www.youtube.com/watch?v=8eLFopNrSUg
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
3h33
Consideraram-me sensitiva. Fizeram-me perguntas, me observaram pelo fundo dos olhos e tiveram ideias. A líder, uma velhinha magricela e lépida, sempre com os olhos em outro lugar, sem nunca largar a sacola branca de plástico - parecia que dentro havia algumas velas - não me olhava nos olhos nunca. Sentaram-me numa mesa de bar, confabularam. Eu não falava - que uso disso?
Mandaram esperar numa esquina. Eu, bovinamente obediente, segui meus passos até a rua escura. Numa árvore, um audacioso ladrão me abordou alegremente - é um assalto aí, mano - dizia como que para uma criança surda. Mandei-o se foder. Aliás, nem tinha dinheiro. Seus olhos faiscaram arregalados - gritei. Ele estava a poucos centímetros; senti algo nas costas. Uma espécie de arrepio gelado que irradiou pelos braços e pernas. Havia uma faca uns cinco cm pra dentro da minha carne, e a rua estava cheia de gente invisível.
***
Uma garota numa sala ampla com uma vista incrível; um rapaz sentado ao lado dela; eu do outro lado da sala, observando suas silhuetas refletidas na janela gigantesca, o azul atrás . O rapaz olhava-me com cara indefinida, considerando minhas expressões; a moça não parava nem para fôlego "eu o conheço sua mãe e seu pai e sua proteção e sua casa e seus receios mas ele é absurdamente calmo."
Um anexo surreal.
Hasna, porto e dança.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Thoughts arrive like butterflies
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Noite curta
No gatilho do desejo
Corre o corpo
Alcança o beijo
Da noite curta e disforme.
Nos olhos, o brilho torto
Da distância aproximada
Nos braços, um corpo etéreo
Nos lábios, canções antigas
Nas pernas, a estrada certa
Nos sonhos, aquele rosto
Nas mãos, o tempo e a dança
Dos corações enlaçados.
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Loop
All monuments of men,
They're sinking in vain.
Tiny moments of mine,
They're floating in space.
domingo, 4 de agosto de 2013
Randômica
A linguagem -discutia- é uma forma de afirmar a própria identidade? Digo, se chamava-me menina há algum tempo, e agora chamo-me mulher, a questão é semântica ou existencial?
Sobre o interlocutor,
Você acha que é ninguém,
Mas ninguém é sempre alguém
Que tem dentro de você.
Isso quem me ensinou foi o velho amigo marinheiro, velho de idade e novo de amizade, que dizia ter viajado o mundo, dizia que eu não ficava bem de batom porque não era natural.
O velho químico obcecado por essências.
Bem fez ele de ir embora dessa cidade com cheiro de água sanitária e meia química; trânsito sem misericórdia e gente sem amor.
Freud, Karenina, Zabriskie, fotografia fragmentada surreal, Dalí, Fahey, Neruda, bicicleta, estrada, gatas que me deixam fazer carinho, sonhos, aulas, o sol batendo no azulejo amarelo, cigarro, vestido psicodelico, o lindo piano do Yann Tiersen, Leary, vento, as árvores sem flor, a dança na cozinha, o lobo da estepe, o sol, o sol, a lua cheia e a vista da 'varanda' de casa.
And the queen sat
And smiled to the cat
Who smiled back.
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Memorabilia
Contando a alguém as minhas aventuras, sempre recebo um olhar incrédulo, de piedade até, como se fosse um quadrado de terra qualquer. Eu era um pirata, aquele era meu mar. E me vêm lágrimas aos olhos; tornam-se frescor para o sol que brilha a lembrança.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
É.
Tem toda a beleza
De algo pungente
Que resiste
Só.
No amanhecer
das horas azuis,
No crepúsculo
Amarelo poluído
Ou no meio do dia
Distraído,
A saudade
Vai entrando
Pelas frestas,
Pelas festas
E florestas,
Pelos sonhos
E delírios,
Pelo norte
E pelo sul.
Toma toda
A minha cara,
Meus cabelos
Esvoaçam.
Minhas mãos
Tão sem abraço;
minha boca
Sem ação,
A canção
Em descompasso.
Alucidocídio
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade;
Perto do mar profundo e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem, mas amo mais a Natureza…”
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Garden of good and evil
Evil is in the garden
Os grandes portões de ferro
As luzes à realeza russa
Árvores amarelas, laranjas e azuis piscando
As sombras de chapéu para lá e para cá
A criança com a mangueira
Trancada no banheiro
Samba de roda
Alé aiê
A letra azul que muda de significado
De acordo com o ângulo
Daniel na cova dos leões
No jardim da alienação.
http://m.youtube.com/watch?v=9dfMd6ErTm0&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3D9dfMd6ErTm0
terça-feira, 23 de julho de 2013
Da garota que entendia as palavras do avesso
domingo, 21 de julho de 2013
Solidão bukowskiana
- Todos nós, mais ou menos, parecemos com outra pessoa. Escuta, tem um cigarro aí?
- Claro.
Peguei meu maço.
- Por favor – ele disse –, pegue um, acenda e fume. Mantém você ocupado.”
Desconfio de quem faz questão de estar no meio da multidão. Ela não vai a lugar algum.
E a solidão parece mesmo um grande lugar para se habitar.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Inscrição
dúplice, angulosa.
É cordial quando nega
e escassa quando dá.
Pois escreveu meu nome
sobre uma onda cega.
E quando tenho fome
me oferece uma rosa.
All the same, we take our chances, laughed at by Time, tricked by circumstances. |
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Kerouac
Um frio na espinha; os dias com essa sensação nunca são bons. Não há sorte nenhuma no mundo, como? Quem a possui são os cães; sua vida é toda feita de suavidade e devoção.
A minha... não sei por onde começar, talvez porque nada comece nunca.
Round 'n' round
carousel
has got you under it's spell
moving so fast ... but
going nowhere.
terça-feira, 9 de julho de 2013
À la Poe
A moça e o rapaz foram atrás do macaco. Andaram pelos cantos da casa, como baratas. As madames os olhavam de esguelha, desconfiadas. No fim, resolveram com uma ligação para o além. Macaco que nada, já há telefone de almas. O clown voltou, sem piadas. A morte o havia deixado exausto. E, no porão da casa, penduravam uma linda bebê no varal, para vê-la sorrir mesmo assim. Ela sorria um riso fraco, sem dentes e úmido; um prenúncio de desgraça que me enregela o coração.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Feliz Aniversário, Kafka.
sábado, 29 de junho de 2013
Insônia
quarta-feira, 26 de junho de 2013
Multitude
Uma menina no meio da multidão é um bicho de sete multidões.
Cinco mil pessoas na multidão são a vibração caótica e desafinada do coro disperso.
Cem mil pessoas na multidão são orgia telepática.
Sete bilhões de pessoas na multidão são o mundo esquizofrenético.
terça-feira, 25 de junho de 2013
Engasgo
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados - ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
aquilo que penso e já não escrevo - aquilo
que perdeu o nome e se bebe como cicuta
junto ao precipício
e à beleza vertiginosa do teu corpo."
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Os marinheiros saíram pro sono e os ratos tomaram conta do sonho
sábado, 22 de junho de 2013
Almoço do governador
Mais cabeças, por favor! Cruas. Sangrando. Aliás, traga-me os animais que os dilacero com os dentes; arranco-lhes as tripas agonizantes como se escova o cabelo.
Para a sobremesa, um fresco e doce cadáver canibal de si mesmo.
A conta ao Estado, tenha a delicadeza.
http://m.letras.mus.br/pink-floyd/67051/traducao.html |
Da solidão
Sei?
"Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam etc., porém coisa bem diferente. E para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vós fugistes dele, mas ele continua existente e vos segue sempre. Ele lá está, em vosso coração e em vossa mente, nos mais profundos recessos de vosso ser. Vós o encobristes, fugistes dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo."
"Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos momentos. Pois os que são próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. Se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão."
"A solidão é a regra. Ninguém pode viver em nosso lugar, nem morrer em nosso lugar, nem sofrer ou amar em nosso lugar. É o que chamo de solidão: nada mais é que outro nome para o esforço de existir."
"Fui para o bosque porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que ela tinha a ensinar-me, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, sendo a vida tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo necessária. Queria viver em profundidade e sugar todo o tutano da vida."
"Eu poderia viver preso numa casca de noz e me sentir rei de espaços infinitos, não fossem os maus sonhos que tenho."
"Acordei com o sol rubro do fim de tarde; e aquele foi um momento marcante em minha vida, o mais bizarro de todos, quando não soube quem eu era - estava longe de casa, assombrado e fatigado pela viagem, num quarto de hotel barato que nunca vira antes, ouvindo o silvo das locomotivas, e o ranger das velhas madeiras do hotel, e passos ressoando no andar de cima, e todos aqueles sons melancólicos, e olhei para o teto rachado e por quinze estranhos segundos realmente não soube quem eu era."
“...como admirava, então, aquelas enevoadas tardes de outono ou de inverno! Como respirava, ansioso e embevecido, a sensação de isolamento e melancolia, quando, noite adentro, enrolado em meu capote, atravessava as chuvas e tempestades de uma natureza hostil e revoltada, e caminhava errante, pois naquele tempo já era só, mas ia repleto de profunda satisfação e de versos, que mais tarde escrevia, em meu quarto, à luz de uma vela, sentado à beira da cama.
Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio a um mundo cujos objetivos não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! (...) E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou louco. Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.”
"Em primeiro lugar, eu não podia mais apaixonar-me, porque, repito, amar significava para mim tiranizar e dominar moralmente. Durante toda a vida, eu não podia sequer conceber em meu íntimo outro amor, e cheguei a tal ponto que, agora, chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele. Mesmo nos meus devaneios subterrâneos, nunca pude conceber o amor senão como uma luta. Começava sempre pelo ódio e terminava pela subjugação moral; depois não podia sequer imaginar o que fazer com o objeto subjugado. E o que há de inverossímil nisso, se eu já conseguira apodrecer moralmente a ponto de me desacostumar da “vida viva”, e haver tido a idéia de censurar Liza, de envergonhá-la com o fato de ter vindo a minha casa para ouvir “palavras piedosas”; mas eu mesmo não adivinhara que ela não viera absolutamente para ouvir palavras de piedade, mas para me amar, pois para a mulher é no amor que consiste toda a ressurreição; toda a salvação de qualquer desgraça e toda regeneração não podem ser reveladas de outro modo. Aliás, eu não a odiava tanto assim quando corria pelo quarto e espiava pelo biombo, através de uma pequena fresta. Dava-me apenas um sentimento insuportavelmente penoso o fato de que estivesse ali. Queria que ela sumisse. Queria “tranqüilidade”, ficar sozinho no subsolo. A “vida viva”, por falta de hábito, comprimira-me tanto que era até difícil respirar."
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Wine philosophy
Disseram, certa vez, "que mente imagética você tem!". Se o que acho mais válido do sol é o alaranjado quente do crepúsculo e o amarelo! do meio dia, de que adianta saber a quantos anos-luz está da Terra? Quando eu, reles corpo, sentirei (mais que saberei) o que é um ano-luz? Há coisas que se sabem, other things you just guess at, como diria Laurie Anderson.
Sinto o torpor do vinho, sinto frio, sinto o meu quarto mais quente que o resto da casa, sinto a pulsação da minha vontade, sinto desejos. Essa é a maldição e o êxtase da alma feminina: não se passa impune pelos sentimentos e desejos, como uma árvore não passa impune pelo outono.
Many is a word that only leaves you guessing.
Surrealité
As belezas orbitam a estrela da tua existência. Ao teu redor está o mundo que enfrentas: a lama caótica do pensamento teórico, o cio desavisado e agressivo das massas com seus prazeres; a orgulhosa histeria vingativa; a condescendência pseudo-budista e egoísta; todo o nonsense e toda a glória do absurdo : um grande coração prestes a ter um ataque. Um cérebro espasmódico, aos trancos, curtido. Pernas desvairadas. Boca abissal. Um monstro kafkiano, enfim.
A solidão é o teu núcleo, teu epicentro vulcânico.
Todas as belezas te pertencem e te orbitam.
É o levante da Koyaanisqatsi
(Whitman)
Entre os animais, não há Koyaanisqatsi. Tudo é equilíbrio; a exata natureza de tudo; a medida da necessidade. São justos, sem condescendência. Ativos, sem frenesi. Vivem na medida em que lhes cabe a vida.
Ao homem é dado o fascínio da transcendência - que tem se perdido em gritos vazios, em violência existencial.
Pensar não é discordar, é saber chegar sem ser conduzido.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Embaixo da árvore
Distância é nada, coração é tudo.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Esta Mira
A droga mais perigosa é a verdade por trás da loucura; a mente nunca mais será a mesma.
Os olhos crescem até orbitarem a universo; as mãos fazem malabarismo com o tempo; a boca sente o fedor da maldade. A cópula louca dos espaços não cria santos nem demônios, e a família cristã não domestica o vício. "Pinot Noir honesto e silêncio, sem preço." Um discurso enorme sobre o valor do silêncio, sem preço. O vizinho martelando lá cima; o casal trepando no apartamento do lado; a criança berrando embaixo; os fanáticos em procissão para o inferno da ignorância... ah, o silêncio grátis.
Se você passar o dia falando em enigmas, no fim da noite terá uma epifania ou perceberá que enigmas não adiantam, não avançam, não cheiram, nem comem, nem fazem sexo. Nem nada, enigmas são nada.
terça-feira, 4 de junho de 2013
Pédarcoíris
(ou Porque as fichas de cheerleaders são azuis)
São lindas, bem formadas, as três.
A da esquerda veio do Brasil, vasto como seu quadril. Seus cabelos dourados de sol parecem o crepúsculo em sua pele bronzeada.
A do meio parece europeia, e tem aquela cara europeia de quem não gosta de nada em nenhum momento mas aí, de repente, abre um sorriso branco com seus dentes pequenos e incisivos e fica bonita. A da direita é louca, tem um cabelo quase branco como a neve e comprido o suficiente só pra esvoaçar com o vento. Parece ter saído de uma montanha de neve russa, é toda branca; só os olhos são escuros.
Movimentam-se em seu metro quadrado com displicência, sem muito desejo. É noite, talvez precisem do sol.
Para fazer graça, a da esquerda mostra seu sapato, num gesto obsceno de vaudeville - aí há algo. Tira-o lentamente, e, mágica, aparecem suas unhas do pé. Cortadas em triângulos, pintadas uma de cada cor, enormíssimas; uns bons dez centímetros. Faz mesuras e gestos como os se tocasse uma castanhola nos pés. A do meio não se abala, tira os sapatos calmamente e lá estão: são menores, mas obviamente menos frágeis, de uma completude mais harmônica, suas unhas cortadas como um losango. As cores berrantes parecem ter sido escolhidas por uma criança, coisa esquisita numa pessoa com uma cara tão monocromática.
A da direita sorri um riso de escárnio. Tira os sapatos e saem deles as mais longas unhas já vistas, e transparentes, translúcidas como as asas de uma fada.
São esquisitas, é claro que unhas deste tamanho serão esquisitas, mas para elas é o mérito da esquisitice.
Vão preencher sua ficha de inscrição para o que quer que seja, desde que as escolham.
Depositam-lhe nas mãos fichas de papel cartão, de um azul fosco e forte que ficaria mais bonito em algo fluido como a água do mar. Examinam as fichas: todas iguais. Mesmas informações, mesmos requisitos a cumprir, nenhuma singularidadezinha só para sorrir. Rasgam as fichas, dançam ao cair de pedacinhos azuis, dão-se as mãos e vão embora, cada qual com suas unhas.
sexta-feira, 31 de maio de 2013
Matemática básica
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Árvore
cachos flores tambores
notas musicais espelhos
folhas sorrisos mãos.
Moleque se pendura
no verde feroz
macio cuidado
viçoso.
Casca do tempo
abraça a seiva
da tranquilidade;
moça dormindo na árvore
sonha com amor.
segunda-feira, 6 de maio de 2013
Mistério
Mistério é flor de vento
semeada em coração de nuvem,
fresta de pensamento
branco, amarelo, azul
vermelho do cansaço
de adivinhar
o incognoscível.
É a palavra muda, som cego
o avesso do dentro do fractal
- tecido do caos.
Não se dá ao homem saber mistérios,
desvendá-los.
O mistério aleatório não tem importância,
como as várias galáxias
- incógnitas individuais, pentencentes a si mesmas.
O mistério mundano são os olhos fechados
do presente.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Três pares de sóis
O vigor e a morte,
A liberdade e a prisão,
A solidão e o amor.
Um corpo aprisionado dentro de uma ideia é a morte.
A liberdade que se esconde de si mesma é prisão;
A solidão não é o contrário do amor, é seu trajeto
E o amor são duas solidões que se completam.
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Medida
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
Mulher, mulher...
Para que todo esse brilho? Ofusca a vista dos que estão acostumados com a escuridão. Essa vida que explode no teu corpo contamina os pessimistas; eles ficam embriagados e você bem sabe o que é alguém embriagado de droga desconhecida.
Esse absinto aí, que corre nas tuas veias, é veneno. A cobra inofensiva, a maçã envenenada. Você sabe que é assim. A luxúria tem um nome enganoso; corrói as estruturas fracas dos puritanos. Ainda que eles a venerem e se enfiem em buracos fétidos para praticá-la, como ratos. Sabe, só escondidos eles podem ser ratos.
Apaga esse fogo milenar que queima no teu sexo. Que queime no teu corpo, tudo bem. Queimar o corpo alheio é crime, sabe. Atentado ao pudor. Que o pudor seja coisa mesquinha, vá lá; sabemos. Você seria condenada; seria a Geni das ruas.
Antes que joguem merda na tua cara, explode essa tua estrela e joga no meio deles. Que morram queimados assim. Será digno.