quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Lines for people after the party

By Alex Dimitrov

And whenever they couldn’t speak they looked at each other.
How long should I look at the world before I go home?
It’s a moody life like Debussy on a weekend
and all the appointments and money and drinks they do go.
So with our beautiful coats we went back to that mess
and what happened? Someone found what they wanted
by night, by mistake. In the car it felt like summer
and we lived with no sun    . . .    just metals and leather.
A lot of   Mondays. A lot of you in the grass I go to and touch.
Oh and Los Angeles for its slow light. Rome for when it gets late.
You. Not you, but you who are reading   . . .
what won’t you ask for and want?
Of course I remember it differently because I was broke
and it feels like I’m broke still.
The cabs lined up but no one took him
where he wanted to go. Those months shared a face
and the face of a dog on a street was the only thing
that really saw you (for a long time).
Then I heard you were traveling, I heard you were somewhere,
I heard you were nowhere anyone looked for at all.
French stationery. Construction. Sent then deleted. Missed you
so sorry next time press yes to continue press now.
And I stood on Barrow then Greenwich then Allen
then all streets, every street, all the time, everyone.
There was a check you used just to drive out there.
There was a storm that brought a gold door in front of their shoes.
You know, it doesn’t get easier with the lights on.
It doesn’t get easier to watch the play with an end.
On the way out someone said, what a terrible way to portray life.
But about us. Hide all week then some place
we go empty the dark in. In the dark
with our vices and best shirts and history’s dress.
Then you could find me anytime. And then there’s right now.
Where wouldn’t we go to be no one and those people again?

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Consideração da noite azul


Love is a dog from hell. Indeed.
Um último cigarro para acompanhar o último gole de cerveja. E a cerveja acaba. Mas o cigarro continua, e a noite e a música. Um milhão de versos na cabeça, a maioria alheios. Mil coisas pra dizer, como? E quando? O tempo se torna a mortalha dos dias; a música, o céu do pensamento. Guerilla ontology. Parece bom, mas precisa ser desenvolvido. Principia Discordia? Uma visão da coisa, mas para dias de humor. Descobrir o que significa whimsical. Em todo caso, não parece uma palavra que eu usaria muito. Aprender a tocar oh well. Aprender os atalhos desse pc. Aprender a não ficar fleumática com memorias. Mas ah, a nostalgia. Especialmente aquela de dias que não aconteceram. Me vira do avesso. Escrever. Fazer foto-poesia. Preparar um projeto de aulas (de qualquer forma, o jazz pedagógico tem 'dado certo'). Fumar menos. Andar mais de bicicleta. Ou fumar mais e melhor. A bicicleta, mesmo assim. Aprender a dançar? Talvez o pensamento já dance o suficiente. Um inception de deja vu é possível, mas uma coincidência muito grande não é nunca só uma coincidência. Beber mais cerveja, em todo caso. Koyaanisqatsi. Dos esquizofrenéticos, Dalí me proteja. Cohen, oh Cohen. Was it love, or the idea of being in love? Or was it the hand of fate that seemed to fit  just like a glove?









De resto, escutar isso na bicicleta, o vento na cara, e não ter vontade de entrar embaixo de um caminhão. http://www.youtube.com/watch?v=pau8Zf7srlU

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A mulher mais linda da cidade

                                                                  


 "Mas ela era do mundo em que vivem as coisas mais belas
Têm o pior destino:
 E Rosa viveu o que vivem as Rosas,
O espaço de uma manhã."
François Malherbe


Pedi bebida para ela. Depois olhei. Estava com um vestido de gola fechada. Cass jamais tinha andado com um traje desses. E logo abaixo de cada olheira, espetados, havia dois grampos com ponta de vidro. Só dava para ver as pontas, mas os grampos, virados para baixo, estavam enterrados na carne do rosto.
— Porra, ainda não desistiu de estragar sua beleza?
— Que nada, seu bobo, agora é moda.
— Pirou de vez.
— Sabe que sinto saudade — comentou.
— Tira esses grampos daí.
— Negativo. É moda.
— Estão me deixando chateado.
— Tem certeza?
— Claro que tenho, pô.
Cass tirou os grampos devagar e guardou na bolsa.
— Por que é que faz tanta questão de esculhambar o teu rosto? — perguntei. — Quando vai se conformar com a ideia de ser bonita?
— Quando as pessoas pararem de pensar que é a única coisa que eu sou. Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem de ser feio. Assim, quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão.


(Do velho Buk)




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Imagem: Egon Schiele

sábado, 16 de novembro de 2013

O degrau de Kafka

Sobe. A ladeira do teu delírio te espera. Pensa no degrau, naquele, lembra? De onde você veio, os degraus eram bem maiores, mais estreitos, difíceis de permanência. A vista era horrível: um palco de horrores e o chicote estalando nas tuas costas, o zuup que te arrepia até hoje. Eu sei, você fecha os olhos e vê a cara de ódio com que te olhavam, ou o escárnio no canto de um sorriso cruel quando escondiam comida de você, ou a perplexidade quando você não queria passear no meio da fedida burguesia e preferia ficar com um livro em casa, e te arrastavam pelas mãos e pelo favor que te fizeram, cuspindo 'esquisita' pra tua rebeldia. Lembra quantas tardes foram acompanhadas do Artur da Távola, o salvador do teu domingo, naquelas dissertações sublimes que acompanhavam os arcos dos violinos? 'A valsa da Morte', o frio na barriga; os russos têm mesmo algo. E a mesquinharia daqueles olhos flácidos, daquelas mãos avarentas, daquele cabelo pintado cuidadosamente pra esconder a idade, de todos eles, todos. Hoje, têm uns 20 quilos a mais; vão explodir de tanto comer. Ah, os hábitos principescos que têm grotesco até na rima.
É uma nuvem, agora, de cicatrizes e nada. Quando assistisse Aos Treze e quisesse se matar, quanta ironia, quanto grito preso. Definhava, tua alma definhava mesmo, e se não se esvaiu a tua força era mesmo maior que a deles. Aí está: tinham medo da vida livre, e te proibiam de dar aos mãos pra ela e encontrar um sorriso sincero e despido de palavras hipócritas. Cruel é pouco, é. Mas te salvasse dessa.
E a tua mãe, a tua última lembrança; os vidros quebrados e as vozes; o cabelo desgrenhado e o espírito sujo. O que fizeram com tua mãe, também. As pessoas enlouquecem sozinhas, são enlouquecidas pelo próprio reflexo no espelho em neón piscando.
E a tua flor, a carne da tua carne, que está plantada em solo infértil mas tem a fragrância da persistência. É coisa mesma da tua família, persistir na lama, pensa só. Os mais inteligentes são os mais explorados, ó ironia, sobrenome do destino. As tuas três flores: uma pisada e resfolegante se recupera; uma te conhece de longe e não te acena; a última, por fim, teve um começo trágico atrás das grades. Qual tua flor decadência preferida? Elas são suficientes pra te manter de pé, ao menos.
E a raiz de onde viesse, bruta flor: um olhar árido, de águia. É o teu, também, aquele olhar que vê os percalços do caminho mas vê a beleza da terra de onde sai tudo, também. Uma boa herança, essa tua busca incansável pela beleza.
Os teus vícios e vicissitudes ficaram pelos degraus, juntando-se uns aos outros na lista mental de quem és, junto com tua perplexidade em frente ao espelho: ficarei louca?
 No teu sorriso coube dor, e cabe. Conseguisse subir a escada vacilante da tua vida até agora. Torta e pendurada, tropeçando e se arrastando pelo carpete mágico do absurdo - daí é que gostas tanto de Kafka, menina? -  e se agarrando no corrimão do fiapo da tua esperança.  Sabes que se a vida é 'cordial quando nega e escassa quando dá', há ao menos algo a ser levado, trazido, buscado e pesado com a balança do teu cérebro racional de homo sapiens dementis. 
Outro degrau, e outro e outro. Infinitos degraus, sabe. E você sobe e cai, mas não terá de começar de novo dando cabeçadas na parede ou gritos no escuro da noite ou uivos pra lua mórbida: a tua voz tá guardada num canto da tua existência, os teus cabelos escondem tua cara no vento e tuas mãos tão firmes no corrimão pouco do tempo, teus pés tão firmes mas não plantados, movimento! 

Se pudesse

Se eu pudesse deixar de correr
Caminhava se eu pudesse deixar de caminhar
Sentava-me à sombra da nogueira azul do céu
Se eu pudesse deitar-me deitava-me
Numa cova com a forma do meu corpo em
Repouso se eu pudesse deixar de cantar
Fechava os olhos e olhava o alto vazio
Onde não acontece nada a não ser
A conciliação provisória do caos
E da luz que não se cansa de nascer.








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Texto: Casimiro de Brito 
Imagem:  Lagoa entardescente, Delira

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Meu amigo eco vazio




É...

A cell block letter

You, little brother. Blood of my blood, skin of my scars and thought of my brain: you're now in the back of my head, like a constant cabinet full of stuff. That is what's left when people are gone: their magnetic ausence on the corner of our eyes.
You enjoyed my music, didn't you? It was particularly tender when you asked me to put something on, as soon as I got home from work: I was always pleased. Our future as the cooks in the house, so bright! Even cleaning along with your cynical complaints was nice. You were the only person in the family to whom I could talk freely, and that was the least we would accept from each other.
So wildly loose you were. Left to your own fate, thrown against the walls of the world. But wild freedom, mon petit, is a tricky path: if you seek it too much, you get stuck either in insanity or inside the very rules you despised. I told you, I told you....
And you're stuck. I barely know where you are, the conditions are not clear: we just know you're suffering with bad food (if you have any), mistreating and overcrowding (and if you, who enjoy space so much, have a square meter to sleep, maybe it's good).
Our father is worried. Our brother is worried.
I cry every night. Doesn't help, but I can't help it.
I just hope you're not dragged down to the sour path these men with you are in. And I hope there's some sunlight for you everyday: the sunny days have been beautiful, but not enought without you in them, and that way we could share them.








sábado, 9 de novembro de 2013

A Flor Imaginária




Lavava a louça, ouvindo Pink Floyd, e olhava para a janela, para a noite imóvel, absorvida nos ecos da mente e da memória. O dia, o silêncio (The White Silence, como quer London), e um pensamento apareceu - popped, como se diz em inglês: caiu literalmente em algum lugar do meu pensamento e imediatamente criou raiz. A flor imaginária. Um arrepio subiu pela espinha;  é o nome para algo que nunca havia sido nomeado. Uma ideia para um poema, uma história - uma vida, talvez.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

The path is closed for lack of sensibility

It doesn't  matter how beautiful a flower can be; one can't grow it in wind.




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Imagem: Dead flowers, Odavis. Mais aqui: http://odavis.deviantart.com/art/Dead-Flowers-140990936
From my rotting body, flowers shall grow and I am in them and that is eternity.
Read more at http://www.brainyquote.com/quotes/quotes/e/edvardmunc104801.html#ZQGH2d0sfDTQldGB.99

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Não-pensar

Sobre os gênios, não importam. Se são eles que conformam o mundo, se há a mente vigorosa de onde saem a ideia e a prática e a constatação crucial de toda a dita verdade humana, há também a dúvida que não será solucionada. Fracionada, emendada e revirada será, aposte, mas há o que não seja justificável. A beleza, veja, não é absolutamente explicável ou motivada. A flor é, e é sendo. Dois raios no mesmo lugar, uma paisagem perfeita, um lapso de êxtase: não é tanto o porquê, mas o durante e depois - o Porquê não os justifica. O êxtase, vá lá... mas é um reflexo, e todo reflexo está simultâneo ou posterior a algo.
Certos impulsos são injustificáveis. Há todos os nossos conhecidos, de que falam Camus, Sartre e tantos; há os desconhecidos, os arraigados.... Entre eles, a necessidade de adaptar tudo a si mesmo e o logro de conduzir o pensamento alheio e dissecá-lo são sintomáticos. Se se toma a forma da dúvida, modela-se a paranóia da dissecação ao contrário: cada pequeno fragmento do objeto de estudo gruda-se ao pesquisador modelando-o numa esfera pensante, pesada e escura, incerta. Disforme. É preciso tomar cuidado com a mente. Se é bom que ela não tenha limites práticos e filosóficos, é preciso não perder-se no caminho. 

Gênio é apenas uma denominação com um significado abrangente, uma espécie de palavra coringa para um tipo de indivíduo enigmaticamente atento a tudo. Não é difícil chegar aí, árduo é manter-se na corda bamba do abismo da sanidade.




Para moi, a sanidade é relativa. Sentir foi sempre mais desejável que pensar. 











quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Strings

Umas palavras não saem, outras não chegam, e outras se perdem na garganta.
Frio na barriga é pouco; meus nervos esticam e rangem como uma corda tensa.





The air is like a knife cutting through us,
a room in the house is always warm,
stretched out on the bathroom floor thinking,
of fair days the future may hold.
(Kings of Convenience, Surprise Ice)


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Imagem: http://www.jinarimountain.com/drawings-and-sketches/broken-guitar-strings

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Cigarro, na falta de afeto.









Found my coat and grabbed my hat
Made the bus in seconds flat
Found my way upstairs and had a smoke,
And somebody spoke and I went into a dream.

I'd love to turn you on, 
but I just can't.


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Imagem: Morning Cigarette, Nicolas Rafael.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Tangled up in blues

Passa o tempo, passam ônibus e trens, aviões e horas extras, poemas, canções e festas, passa o sol, a lua, o mar, madrugada e coração, cigarro e filme do Bergman, o Caetano e o Dylan juntos, passam  Rilke e Camus, o estrangeiro dos meus olhos, passa o Sartre que eu odeio (a náusea me apagou),  passa a figueira e o banco, a praia vazia e o vento, ligações não respondidas, outras tantas desejadas, delírios de insônia fria, conversas intermináveis, silêncios frios de morte, uma cabeça espiando pela fresta da distância, uma namorada alheia, um terrível namorado , a confusão espiral dos corações desenlaçados, outra palavras despidas de sentido e sem poesia (aquele outro não via, não via; aquela outra, eu me abstenho da forma vazia), passam Freud e Dalí me explicando a minha mente, passa a gente se encontrando de repente, lindamente por acaso, naqueles dias tão dúbios de entrega e exigência (entrega tão grande e forte que é como jogar-se ao abismo, e eu cantava "en un abismo yo te esperé, por el abismo yo me enamoré" nos dias de ódio,  quando pensei que a espera sou eu quem causo, exijo, imponho e meço, a espera é minha sombra e a distância meu reflexo), passam teus olhos doentes, escuros e misteriosos, e tão doces que me perdia dentro deles ('como me he perdido por el mar'), passa o fôlego que tomo toda vez pra escrever quando cada palavra parece uma flor ou um espinho, e as lágrimas as lágrimas as lágrimas, um rio de mágoas escondidas na memória fluindo roucas pelo caminho do abismo e caindo frias na música com a tua cara e o teu fantasma que nem que fosse fantasma o seria, a tua carne não se desfaz na memória, 'e eu estou na matéria que te cerca', e poemas e poemas e poemas, e palavras e músicas e penas e alegrias tardias e inglórias e tristezas maiores que a noite e o sol. E este é o fim? Aqui estamos, imobilizados nas bordas do tempo. 





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Imagem: A seascape, shipping by moonlight, Monet.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Between the age and the hour

O tempo esmaga os sentidos como a maré forma pedras.










Shouldering your loneliness
Like a gun that you will not learn to aim.

https://www.youtube.com/watch?v=Dkyiu3GZ8eQ&index=5&list=PL9YWtZiQ5VsU4364yqDJp9IeMhSHdZMgK


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Imagem: trecho do filme A hora do Lobo, de Bergman. 



sábado, 5 de outubro de 2013

No descomeço era o tempo



Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.









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Texto: Manoel de Barros
Imagem: trecho da animação História do dedão do pé do fim do mundo. Mais aqui: http://www.plataformadoletramento.org.br/acervo-dica-letrada/330/poemas-do-escritor-manoel-de-barros-ganham-vida-em-animacao.html

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Da Fuga

"Perdi-me muitas vezes pelo mar
com o ouvido cheio de flores recém-cortadas,
com a língua cheia de amor e de agonia.

Muitas vezes me perdi pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.

Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém nascido,
olvide as imóveis caveiras de cavalo.

Porque as rosas buscam em frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
que imitar as raízes sob a terra.

Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando
uma morte de luz que me consuma."

García Lorca

domingo, 22 de setembro de 2013

De que adianta a lágrima agora?
Mulher que chora um amor
É flor despetalada, desventura.






                                           Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

domingo, 8 de setembro de 2013

Mad World

Por trás das grades do contentamento
Há um vestígio de pensamento
Inútil (porém) ?


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All around me are familiar faces
Worn out places
Worn out faces
Bright and early for the daily races
Going no where
Going no where

http://m.youtube.com/watch?v=4N3N1MlvVc4&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3D4N3N1MlvVc4



Foto: Esta 'liberdade', Delira.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Dance of Death

Decidi calar,
Decidi dizer;
Agir, não agir.
Pensar, se esconder.
Não pensar, fingir,
Recordar, dizer.
Apagar, viver,
Recordar, morrer.
Decidi não ser.

Não ser mais terrena:
Só serei do avesso.

Decidi morrer
Com o sonho oculto
Que me invade o sono,
Me sorri e sussurra;
Me estende os braços
Em que me abandono;
Me censura a ira,
Pretende um começo.

Roça o cabelo
Cor de areia
No meu rosto
Tão suavemente...

 Desfaleço.





http://www.youtube.com/watch?v=8eLFopNrSUg

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

3h33

Consideraram-me sensitiva. Fizeram-me perguntas, me observaram pelo fundo dos olhos e tiveram ideias. A líder, uma velhinha magricela e lépida, sempre com os olhos em outro lugar, sem nunca largar a sacola branca de plástico - parecia que dentro havia algumas velas - não me olhava nos olhos nunca. Sentaram-me numa mesa de bar, confabularam. Eu não falava - que uso disso?
Mandaram esperar numa esquina. Eu, bovinamente obediente, segui meus passos até a rua escura. Numa árvore, um audacioso ladrão me abordou alegremente - é um assalto aí, mano - dizia como que para uma criança surda. Mandei-o se foder. Aliás, nem tinha dinheiro. Seus olhos faiscaram arregalados - gritei. Ele estava a poucos centímetros; senti algo nas costas. Uma espécie de arrepio gelado que irradiou pelos braços e pernas. Havia uma faca uns cinco cm pra dentro da minha carne, e a rua estava cheia de gente invisível.

***

Uma garota numa sala ampla com uma vista incrível; um rapaz sentado ao lado dela; eu do outro lado da sala, observando suas silhuetas refletidas na janela gigantesca, o azul atrás . O rapaz olhava-me com cara indefinida, considerando minhas expressões; a moça não parava nem para fôlego "eu o conheço sua mãe e seu pai e sua proteção e sua casa e seus receios mas ele é absurdamente calmo."
Um anexo surreal.


Hasna, porto e dança.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Thoughts arrive like butterflies


pensamentos que flutuam
tuas ideias se misturam
à música que tua cabeça dança
criança de séculos de espanto
essa doença que te causa o mundo é forte
mais forte é teu encanto com a verdade
e mais incisivo teu canto



imagem: Delira

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Noite curta

A palavra estilhaçada
No gatilho do desejo
Corre o corpo
Alcança o beijo
Da noite curta e disforme.
Nos olhos, o brilho torto
Da distância aproximada
Nos braços, um corpo etéreo
Nos lábios, canções antigas
Nas pernas, a estrada certa
Nos sonhos, aquele rosto
Nas mãos, o tempo e a dança
Dos corações enlaçados.


Foto: Riding Alone, Delira. 

Wine philosophy II




Imagem:  Delira

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Loop

A ideia toca o sentido, que toca o olhar, que vai pra baixo e pra cima e pra dentro e pra fora e para em si mesmo, fechado; dá a volta e dá a mão para o pensamento (pensar é não compreender?), que dá mais uma volta e chega na linguagem - é preciso exprimir a ideia - que sai pelo corpo e ressoa no continuum espaço-tempo - vazio? - e corre aos braços de seu destino, e se acomoda como lhe permitem os braços e a disposição do receptor.





All monuments of men,
They're sinking in vain.
Tiny moments of mine,
They're floating in space.









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Imagem: instalação de Heike Weber. Mais aqui: http://www.heikeweber.net/installations_de_work.html?&group=62&member=0

domingo, 4 de agosto de 2013

Randômica

Na falta de interlocutor, a gente fala mesmo assim. Será isso melhor que dizer nada?
A linguagem -discutia- é uma forma de afirmar a própria identidade? Digo, se chamava-me menina há algum tempo, e agora chamo-me mulher, a questão é semântica ou existencial?
Sobre o interlocutor,

Você acha que é ninguém,
Mas ninguém é sempre alguém
Que tem dentro de você.

Isso quem me ensinou foi o velho amigo marinheiro, velho de idade e novo de amizade, que dizia ter viajado o mundo, dizia que eu não ficava bem de batom porque não era natural.
O velho químico obcecado por essências.

Bem fez ele de ir embora dessa cidade com cheiro de água sanitária e meia química; trânsito sem misericórdia e gente sem amor.

Freud, Karenina, Zabriskie, fotografia fragmentada surreal, Dalí, Fahey, Neruda, bicicleta, estrada, gatas que me deixam fazer carinho, sonhos, aulas, o sol batendo no azulejo amarelo, cigarro, vestido psicodelico, o lindo piano do Yann Tiersen, Leary, vento, as árvores sem flor, a dança na cozinha, o lobo da estepe, o sol, o sol, a lua cheia e a vista da 'varanda' de casa.



And the queen sat
And smiled to the cat
Who smiled back.




Imagem do filme Sonhos, de Kurosawa. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Memorabilia

A única boneca que já tive chamava-se Dominique. Não tenho certeza de ter escolhido o nome. Tanto fazia; não era meu brinquedo preferido. Gostava da terra, da rua, do sol. No sítio de meu avô, onde normalmente passávamos fins de semana e férias, havia grutas imensas, cavernas a céu aberto. Eram enormes paredões com a sombra justa para caminhar, cheios de plantas coloridas que não nasciam no impiedoso sol da caatinga. Eram cheios de frescor e eu, passeando pequena dentro deles, sentia-me a própria líder de uma expedição. Víamos lagartos; eu era uma paleontóloga num encontro com um dinossauro. Num ponto qualquer do caminho, subia com esforço a parede de terra alaranjada e olhava ao redor - terra seca, rachada, espalhando-se a perder de vista. Bem ao longe, uma casa, um pastinho. Bichos não lembro.
Contando a alguém as minhas aventuras, sempre recebo um olhar incrédulo, de piedade até, como se fosse um quadrado de terra qualquer. Eu era um pirata, aquele era meu mar. E me vêm lágrimas aos olhos; tornam-se frescor para o sol que brilha a lembrança.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

É.

Até essa tristeza
Tem toda a beleza
De algo pungente
Que resiste
Só.
No amanhecer
das horas azuis,
No crepúsculo
Amarelo poluído
Ou no meio do dia
Distraído,
A saudade
Vai entrando
Pelas frestas,
Pelas festas
E florestas,
Pelos sonhos
E delírios,
Pelo norte
E pelo sul.
Toma toda
A minha cara,
Meus cabelos
Esvoaçam.
Minhas mãos
Tão sem abraço;
minha boca
Sem ação,
A canção
Em descompasso.



Alucidocídio

Há um tal prazer nos bosques inexplorados;
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade;
Perto do mar profundo e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem, mas amo mais a Natureza…”



 
     


Imagem: Alucidocídio, Delira

Texto: Byron 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Garden of good and evil

Evil is in the garden
Os grandes portões de ferro
As luzes à realeza russa
Árvores amarelas, laranjas e azuis piscando
As sombras de chapéu para lá e para cá
A criança com a mangueira
Trancada no banheiro
Samba de roda
Alé aiê
A letra azul que muda de significado
De acordo com o ângulo

Daniel na cova dos leões
No jardim da alienação.




http://m.youtube.com/watch?v=9dfMd6ErTm0&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3D9dfMd6ErTm0

terça-feira, 23 de julho de 2013

Da garota que entendia as palavras do avesso

"Freqüentemente, os melhores momentos na vida são quando a gente não está fazendo nada, só ruminando. Quer dizer, a gente pensa que todo mundo é sem sentido, aí vê que não pode ser tão sem sentido assim se a gente percebe que é sem sentido, e essa consciência da falta de sentido já é quase um pouco de sentido. Sabe como é? Um otimismo pessimista."








 

Imagem de Delira, texto do velho Buk. 

domingo, 21 de julho de 2013

Solidão bukowskiana

“- Escuta, alguém já te disse que se parece com outra pessoa?
- Todos nós, mais ou menos, parecemos com outra pessoa. Escuta, tem um cigarro aí?
- Claro.
Peguei meu maço.
- Por favor – ele disse –, pegue um, acenda e fume. Mantém você ocupado.”

Desconfio de quem faz questão de estar no meio da multidão. Ela não vai a lugar algum.
E a solidão parece mesmo um grande lugar para se habitar.







Imagem: 'Multitude', Delira. 

Texto: Pulp, Bukowski.  

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Inscrição

A vida me foi sempre
dúplice, angulosa.

É cordial quando nega
e escassa quando dá.

Pois escreveu meu nome
sobre uma onda cega.

E quando tenho fome
me oferece uma rosa.



 All the same, we take our chances, laughed at by Time, tricked by circumstances.        
 
Imagem:  'Melancolia', Van Gogh

Texto de Cassiano Ricardo.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Kerouac

É esse aí. Me acompanhou por uns 8km de pedal na estrada do crepúsculo nublado. Não se importou com a pouca luz da noite nascente, e sentou comigo na frente da igreja. Enquanto eu queria gritar "Ó universo, aniquilai-me de uma vez por todas!", ele se enroscava em si mesmo, na mais pacífica e protetora das ações.
Um frio na espinha; os dias com essa sensação nunca são bons. Não há sorte nenhuma no mundo, como? Quem a possui são os cães; sua vida é toda feita de suavidade e devoção.
A minha... não sei por onde começar, talvez porque nada comece nunca.






Round 'n' round
carousel
has got you under it's spell
moving so fast ... but
going nowhere.




Imagem: 'Kerouac', Delira. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

À la Poe

Os macacos fazem ressuscitar. Era o que dizia aquele velho conto onírico psicodélico, ao menos. Na casa de D., sabiam que ele voltaria. O homem arranjara tudo desde antes de sua morte; era só por em prática. A grande casa clean vivia triste sem seu clown, por que não?
A moça e o rapaz foram atrás do macaco. Andaram pelos cantos da casa, como baratas. As madames os olhavam de esguelha, desconfiadas. No fim, resolveram com uma ligação para o além. Macaco que nada, já há telefone de almas. O clown voltou, sem piadas.  A morte o havia deixado exausto. E, no porão da casa, penduravam uma linda bebê no varal, para vê-la sorrir mesmo assim. Ela sorria um riso fraco, sem dentes e úmido; um prenúncio de desgraça que me enregela o coração.





Imagem: 'Varal dos enforcados', Ludmilla Ciuffi.  

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Feliz Aniversário, Kafka.

"Ele estava tão enredado como uma mosca presa numa teia, na angústia e opressão de seus laços - de família, do trabalho mesquinho e da própria vida que transcorria como uma gosma dentro dele -, que exprimir isso lhe surgia como uma necessidade urgente e absoluta para ter pelo menos a esperança de lavar seu cérebro daquela viscosidade de patas que se debatiam sem conduzi-lo a lugar nenhum. Mas o pior das palavras era que, quanto mais as escrevia, mais elas pareciam afugentá-lo da nitidez de um alvo. O mais engraçado - provocando nele, em seu quarto de dormir, uma gargalhada parecendo guinchos, que enregelou a família na sala - é que foi justamente no momento em que entregou os pontos, desistindo de palavras ou pensamentos profundos, que ele entendeu que para escrever o que se passava dentro dele e ao seu redor não havia outra forma senão a mais rasteira e única possível: "Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho intranquilo, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto."






Imagem: 'Franz Kafka', Warhol.

Texto: Sérgio Sant'Anna, aqui.

sábado, 29 de junho de 2013

Insônia

A filosofia da rua: do mendigo, da puta, do cigarro, do dinheiro, da cocaína, da besta, das massas, dos cantos, do bêbado, da viela, dos puteiros, dos dementes, dos sãos, dos trilhos, das rodas, dos niilistas e dos iluminados. Tem um ar... às vezes falta o ar. Respirar fundo, o pouco que fica, de olhos fechados e garganta dilatada. O engasgo, o ócio, a música, o espelho, o vácuo, o teto. Cigarro, cigarro.




Imagem: autor não identificado, adaptação de 'A grande onda de Kanagawa', de Hokusai. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Multitude

Uma menina no meio da multidão é um bicho de sete multidões.

Cinco mil pessoas na multidão são a vibração caótica e desafinada do coro disperso.

Cem mil pessoas na multidão são orgia telepática.

Sete bilhões de pessoas na multidão são o mundo esquizofrenético.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Engasgo

"Mas se a noite vier
cheia de luzes ilegíveis de véus
de relógios parados - ergue as asas
fere o ar que te sufoca e não te mexas
para que eu fique a ver-te estilhaçar
aquilo que penso e já não escrevo - aquilo
que perdeu o nome e se bebe como cicuta
junto ao precipício
e à beleza vertiginosa do teu corpo."






Imagem: 'Vertigem', Delira. 

Texto: adaptado de  Al Berto

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os marinheiros saíram pro sono e os ratos tomaram conta do sonho

- Régis, meu bem, saia do caminho e não me atormente. O lugar está cheio de ratos! Eles saem por todos os lados, você não vê? Saem das mesas, dos sofás e das paredes; saem das nossas roupas e dos nossos cabelos... eles tomaram nossa alma, Régis. Para de rir e escuta: os ratos tomaram tudo. Olha só: acostumaram com eles, as mulheres não gritam de horror; olham-se no espelho de vez em quando para ver se não há nenhum bicho asqueroso escorregando pelos cabelos. Os homens nem se manifestam; cultivam seus vícios e os asquerosos comem as flores; eles não se importam. Só se dispersam, para dar lugar aos ratos. Olha aquela mulher, aquela ali de vestido curto. Saiu um rato da calcinha dela, viu? Ele certamente vai acasalar com o rato da cueca de alguém.



Imagem: 'Rat', Banksy. 

sábado, 22 de junho de 2013

Almoço do governador

Traga-me uma cabeça de ideia. E uma salada dialética.
Mais cabeças, por favor! Cruas. Sangrando. Aliás, traga-me os animais que os dilacero com os dentes; arranco-lhes as tripas agonizantes como se escova o cabelo.
Para a sobremesa, um fresco e doce cadáver canibal de si mesmo.
A conta ao Estado, tenha a delicadeza.


http://m.letras.mus.br/pink-floyd/67051/traducao.html
 

Imagem: 'Saturno devorando a un hijo', Goya.

Da solidão

"É um lugar solitário, este. Mas acho que tem coisas que só podem ser feitas daí. Sabe?"

Sei?


"Onde não existe o medo, está a beleza — não a beleza de que falam os poetas, aquela que os artistas pintam etc., porém coisa bem diferente. E para descobrir a beleza, um homem terá de conhecer esse isolamento completo — ou, melhor, não terá de conhecê-lo, pois ele já existe. Vós fugistes dele, mas ele continua existente e vos segue sempre. Ele lá está, em vosso coração e em vossa mente, nos mais profundos recessos de vosso ser. Vós o encobristes, fugistes dele; mas ele continua existente. E a mente tem de passar por ele, como quem se submete à purificação pelo fogo."
 
"Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos momentos. Pois os que são próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. Se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão."

"A solidão é a regra. Ninguém pode viver em nosso lugar, nem morrer em nosso lugar, nem sofrer ou amar em nosso lugar. É o que chamo de solidão: nada mais é que outro nome para o esforço de existir."

"Fui para o bosque porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que ela tinha a ensinar-me, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, sendo a vida tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo necessária. Queria viver em profundidade e sugar todo o tutano da vida."

"Eu poderia viver preso numa casca de noz e me sentir rei de espaços infinitos, não fossem os maus sonhos que tenho."

"Acordei com o sol rubro do fim de tarde; e aquele foi um momento marcante em minha vida, o mais bizarro de todos, quando não soube quem eu era - estava longe de casa, assombrado e fatigado pela viagem, num quarto de hotel barato que nunca vira antes, ouvindo o silvo das locomotivas, e o ranger das velhas madeiras do hotel, e passos ressoando no andar de cima, e todos aqueles sons melancólicos, e olhei para o teto rachado e por quinze estranhos segundos realmente não soube quem eu era."

“...como admirava, então, aquelas enevoadas tardes de outono ou de inverno! Como respirava, ansioso e embevecido, a sensação de isolamento e melancolia, quando, noite adentro, enrolado em meu capote, atravessava as chuvas e tempestades de uma natureza hostil e revoltada, e caminhava errante, pois naquele tempo já era só, mas ia repleto de profunda satisfação e de versos, que mais tarde escrevia, em meu quarto, à luz de uma vela, sentado à beira da cama.
Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio a um mundo cujos objetivos não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! (...) E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou louco. Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes – aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.”

"Em primeiro lugar, eu não podia mais apaixonar-me, porque, repito, amar significava para mim tiranizar e dominar moralmente. Durante toda a vida, eu não podia sequer conceber em meu íntimo outro amor, e cheguei a tal ponto que, agora, chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele. Mesmo nos meus devaneios subterrâneos, nunca pude conceber o amor senão como uma luta. Começava sempre pelo ódio e terminava pela subjugação moral; depois não podia sequer imaginar o que fazer com o objeto subjugado. E o que há de inverossímil nisso, se eu já conseguira apodrecer moralmente a ponto de me desacostumar da “vida viva”, e haver tido a idéia de censurar Liza, de envergonhá-la com o fato de ter vindo a minha casa para ouvir “palavras piedosas”; mas eu mesmo não adivinhara que ela não viera absolutamente para ouvir palavras de piedade, mas para me amar, pois para a mulher é no amor que consiste toda a ressurreição; toda a salvação de qualquer desgraça e toda regeneração não podem ser reveladas de outro modo. Aliás, eu não a odiava tanto assim quando corria pelo quarto e espiava pelo biombo, através de uma pequena fresta. Dava-me apenas um sentimento insuportavelmente penoso o fato de que estivesse ali. Queria que ela sumisse. Queria “tranqüilidade”, ficar sozinho no subsolo. A “vida viva”, por falta de hábito, comprimira-me tanto que era até difícil respirar."
 
"O mundo assim como está não é suportável, por conseguinte, preciso da lua, da felicidade ou da imortalidade, de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo."



Imagem: 'Sugar Sphinx', Dalí.  


Textos de  Krishnamurti, Rilke, Comte-Sponville, Thoreau, Shakespeare, Kerouac, Hesse, Dostoiévski e Camus, respectivamente.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Wine philosophy

O que é a imagem, para quem não a tem? Como um cego de nascença pinta cores?
Disseram, certa vez, "que mente imagética você tem!". Se o que acho mais válido do sol é o alaranjado quente do crepúsculo e o amarelo! do meio dia, de que adianta saber a quantos anos-luz está da Terra? Quando eu, reles corpo, sentirei (mais que saberei) o que é um ano-luz? Há coisas que se sabem, other things you just guess at, como diria Laurie Anderson.
Sinto o torpor do vinho, sinto frio, sinto o meu quarto mais quente que o resto da casa, sinto a pulsação da minha vontade, sinto desejos. Essa é a maldição e o êxtase da alma feminina: não se passa impune pelos sentimentos e desejos, como uma árvore não passa impune pelo outono.
Many is a word that only leaves you guessing.



 Imagem: Eu sou aquela flor solitária,Delira. 

Surrealité

As belezas orbitam a estrela da tua existência. Ao teu redor está o mundo que enfrentas: a lama caótica do pensamento teórico, o cio desavisado e agressivo das massas com seus prazeres; a orgulhosa histeria vingativa; a condescendência pseudo-budista e egoísta; todo o nonsense e toda a glória do absurdo : um grande coração prestes a ter um ataque. Um cérebro espasmódico, aos trancos, curtido. Pernas desvairadas. Boca abissal. Um monstro kafkiano, enfim.
A solidão é o teu núcleo, teu epicentro vulcânico. 
Todas as belezas te pertencem e te orbitam.

É o levante da Koyaanisqatsi

"Creio que eu poderia transformar-me e viver como os animais. Eles são tão calmos e donos de si! Detenho-me para contemplá-los sem parar. Não se atarantam nem se queixam da própria sorte; não passam a noite em claro, remoendo suas culpas, nem me aborrecem falando de suas obrigações para com Deus. Nenhum deles se mostra insatisfeito; nenhum deles se acha dominado pela mania de possuir coisas; nenhum deles fica de joelhos diante de outro, nem diante da recordação de outros da mesma espécie que viveram há milhares de anos. Nenhum deles é respeitável ou desgraçado em todo o amplo mundo."
(Whitman)


Entre os animais, não há Koyaanisqatsi. Tudo é equilíbrio; a exata natureza de tudo; a medida da necessidade. São justos, sem condescendência. Ativos, sem frenesi. Vivem na medida em que lhes cabe a vida.
Ao homem é dado o fascínio da transcendência - que tem se perdido em gritos vazios, em violência existencial.
Pensar não é discordar, é saber chegar sem ser conduzido.




Imagem do filme Koyaanisqatsi.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Embaixo da árvore

Perto da praça, perto da figueira. Um acaso, uma coincidência, um Cosmo unindo duas pontas de uma reta. Um azul chegando perto e tornando tudo brilhante. Um coração gigantesco de azul incandescente.
Distância é nada, coração é tudo.




 


Imagem: figueira centenária em Floripa.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Esta Mira

Este é o mundo dos espertos ao contrário. Compram comida na farmácia, comida estimulante; compram memórias prontas nas lojas de eletrônicos; compram móveis podres embaixo da ponte; compram palavras a preço de drogas, com os traficantes do sentido. A verdade, não... essa está próxima da loucura, e loucura não é negociável.

A droga mais perigosa  é a verdade por trás da loucura; a mente nunca mais será a mesma.

 Os olhos crescem até orbitarem a universo; as mãos fazem malabarismo com o tempo; a boca sente o fedor da maldade. A cópula louca dos espaços não cria santos nem demônios, e a família cristã não domestica o vício. "Pinot Noir honesto e silêncio, sem preço." Um discurso enorme sobre o valor do silêncio, sem preço. O vizinho martelando lá cima; o casal trepando no apartamento do lado; a criança berrando embaixo; os fanáticos em procissão para o inferno da ignorância... ah, o silêncio grátis.

Se você passar o dia falando em enigmas, no fim da noite terá uma epifania ou perceberá que enigmas não adiantam, não avançam, não cheiram, nem comem, nem fazem sexo. Nem nada, enigmas são nada.




Imagem do documentário Estamira.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Pédarcoíris

(ou Porque as fichas de cheerleaders são azuis)

São lindas, bem formadas, as três.
A da esquerda veio do Brasil, vasto como seu quadril. Seus cabelos dourados de sol parecem o crepúsculo em sua pele bronzeada.
A do meio parece europeia, e tem aquela cara europeia de quem não gosta de nada em nenhum momento mas aí, de repente, abre um sorriso branco com seus dentes pequenos e incisivos e fica bonita. A da direita é louca, tem um cabelo quase branco como a neve e comprido o suficiente só pra esvoaçar com o vento. Parece ter saído de uma montanha de neve russa, é toda branca; só os olhos são escuros.
Movimentam-se em seu metro quadrado com displicência, sem muito desejo. É noite, talvez precisem do sol.
Para fazer graça, a da esquerda mostra seu sapato, num gesto obsceno de vaudeville - aí há algo. Tira-o lentamente, e, mágica, aparecem suas unhas do pé. Cortadas em triângulos, pintadas uma de cada cor, enormíssimas; uns bons dez centímetros. Faz mesuras e gestos como os se tocasse uma castanhola nos pés. A do meio não se abala, tira os sapatos calmamente e lá estão: são menores, mas obviamente menos frágeis, de uma completude mais harmônica, suas unhas cortadas como um losango. As cores berrantes parecem ter sido escolhidas por uma criança, coisa esquisita numa pessoa com uma cara tão monocromática.
A da direita sorri um riso de escárnio. Tira os sapatos e saem deles as mais longas unhas já vistas, e transparentes, translúcidas como as asas de uma fada.
São esquisitas, é claro que unhas deste tamanho serão esquisitas, mas para elas é o mérito da esquisitice.
Vão preencher sua ficha de inscrição para o que quer que seja, desde que as escolham.
Depositam-lhe nas mãos fichas de papel cartão, de um azul fosco e forte que ficaria mais bonito em algo fluido como a água do mar. Examinam as fichas: todas iguais. Mesmas informações, mesmos requisitos a cumprir, nenhuma singularidadezinha só para sorrir. Rasgam as fichas, dançam ao cair de pedacinhos azuis, dão-se as mãos e vão embora, cada qual com suas unhas.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Matemática básica

Divida-se a lucidez

Multiplique-se a loucura

Subtraia-se o mistério

Adicione-se a vontade,
                   o prazer,
                   a palavra espontânea,
                   o silêncio,
                   o grito,
                   a lágrima,
                   a gargalhada,
                   a dança improvisada,
                   o sorriso bêbado,
                   a tristeza sóbria,
                   o amor. 
                   

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Árvore

Da árvore pendem frutos,
cachos flores tambores
notas musicais espelhos
folhas sorrisos mãos.

Moleque se pendura
no verde feroz
macio cuidado
viçoso.

Casca do tempo
abraça a seiva
da tranquilidade;
moça dormindo na árvore
sonha com amor.


segunda-feira, 6 de maio de 2013

Mistério

Mistério é flor de vento
semeada em coração de nuvem,

fresta de pensamento
branco, amarelo, azul
vermelho do cansaço
de adivinhar
o incognoscível.

É a palavra muda, som cego
o avesso do dentro do fractal
- tecido do caos.

Não se dá ao homem saber mistérios,
desvendá-los.
O mistério aleatório não tem importância,
como as várias galáxias
- incógnitas individuais, pentencentes a si mesmas.
O mistério mundano são os olhos fechados
do presente.

https://www.youtube.com/watch?v=UtQpSGyPCBE

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Três pares de sóis

Três pares de sóis queimam a aurora:
O vigor e a morte,
A liberdade e a prisão,
A solidão e o amor.

Um corpo aprisionado dentro de uma ideia é a morte.
A liberdade que se esconde de si mesma é prisão;
A solidão não é o contrário do amor, é seu trajeto


E o amor são duas solidões que se completam.






Imagem: 'Indian Sun', Baryua.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Medida

A medida da realidade é o coração.

A medida do tempo é a fluidez.

A medida da mente é o que há fora dela.



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mulher, mulher...


Para que todo esse brilho? Ofusca a vista dos que estão acostumados com a escuridão. Essa vida que explode no teu corpo contamina os pessimistas; eles ficam embriagados e você bem sabe o que é alguém embriagado de droga desconhecida.

 Esse absinto aí, que corre nas tuas veias, é veneno. A cobra inofensiva, a maçã envenenada. Você sabe que é assim. A luxúria tem um nome enganoso; corrói as estruturas fracas dos puritanos. Ainda que eles a venerem e se enfiem em buracos fétidos para praticá-la, como ratos. Sabe, só escondidos eles podem ser ratos.

Apaga esse fogo milenar que queima no teu sexo. Que queime no teu corpo, tudo bem. Queimar o corpo alheio é crime, sabe. Atentado ao pudor. Que o pudor seja coisa mesquinha, vá lá; sabemos. Você seria condenada; seria a Geni das ruas.

Antes que joguem merda na tua cara, explode essa tua estrela e joga no meio deles. Que morram queimados assim. Será digno.




Imagem: Ocuppy Wall St, Comeau.