quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Prove que você existe

Prove que você não é um robô.
Tenha documentos válidos.
Compre mais do que você consome.
Não use drogas; tome remédios.
Reclame do trânsito e troque de carro
a cada ano.
Vote num palhaço e reclame do circo
que virou a política.
Tenha hábitos alimentares principescos,
faça supermercado recreativo,
não dê esmolas aos mendigos
(para não fumarem crack)
e beba sua sagrada cerveja
todo domingo.
Demonstre pena do cachorro atropelado
na rua
e não diga a ninguém
que  você bate no seu cão
(que late a noite toda
porque não sai
para passear).
Seja saudável: vá de carro até o parque,
fazer uma caminhada;
Vá ao shopping comer uma salada;
beba refrigerante diet.
Estude: leia livros de auto-ajuda que dizem tudo
o que você já sabe;
vá para a faculdade falar sobre roupas e sapatos e
como é um escândalo o movimento estudantil
e que filho da puta é o professor que pede a leitura
de um texto cujo sentido você não alcança.
Ame a natureza: vá para a mesma praia suja que
você frequenta há anos;
entupa o ar com a fumaça do seu carro;
Venere as lindas cidades que você nunca conhecerá.
Tenha um cônjuge: divida com alguém seus dias, seus problemas,
suas dívidas e sua mesquinhez.
Viva: os mesmos dias sórdidos, as mesmas horas lentas,
o mesmo trabalho ingrato que permite sua sobrevivência;
as mesmas paixões parasitas, o mesmo tempo arrastado,
os mesmos ponteiros do relógio do tédio que correm
certeiros em direção à morte.

Viva: prove que você
não é um robô.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Fare Thee Well

Era um romance. Tinha tudo para sê-lo: a amena angústia da ausência; o vício frenético em palavras ambíguas; o colorido vago do prazer. Era um raio de sol, um deleite.
Durou tanto quanto dura a aurora boreal - efêmera eternidade de luz, caótico tecido de cores brilhantes.
Cegou. O fulgor fatal tomou conta das trevas. As árvores seculares riram desdenhosas do corpo mergulhado em luz.
Agora, os seculares troncos, com suas copas imortais, amparam o cadáver fluorescente - único ponto luminoso na floresta que tem sido escura por milênios.
Da luz, restou a sombra.

Rogo

Deixa brilhar a luz da loucura
na escuridão do silêncio armado
de facas cegas e armas sem balas.

Deixa vir o grito do vento
no ar tóxico, caótico
que dissolve teus pensamentos.

Deixa, deixa de ser isso.
Essa persona demente, reticente,
vago rascunho de humanidade.

Animal, animal tu és. Aprende!

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A prostituta


Deixai ir por entre vós minha musa triste
com palavras presas em sua garganta seca;
seus cabelos de estrela e seu vestido de lodo
E o coração mais pesado que o mundo.


Ela irá por entre vós como um desejo
sólido e efervescente, feito de carne.
Como a filha da sífilis, que o olhar evita;
como a criança mais leve que o ar.




Imagem: 'A blue room', Picasso.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Teresa

Teresa do olhar fixo. Apaixonadamente perplexo.
Ela era uma pedra. Estática e mutável. Inerte e permanente, plácida. Bovinamente plácida.
E então, era. Acontecia a todo momento; sua existência fervilhava. Intensamente contemplativa, compartilhava da alma da natureza, da urbe, do cosmos.
O tempo fluía, escorria por seus dedos, e ela observava, como o último ato antes da morte. Percebia um movimento contínuo e animalesco no andar e comer e falar das pessoas. A fruição era angustiante. As ondas de percepção a jogavam no instinto. Ela vislumbrava o uno inseparável, o homem-animal. O instinto primevo. E se envolvia na fruição sensorial, espiritual. A lógica não tinha razão.
Teresa andava com pernas de dança, cabeça de loucura e alma de lugar algum.





Imagem: 'Beggar Woman', Modigliani.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Oração

Guarda no teu seio
a minha essência,
acolhe meu espírito perdido.
No teu colo de suavidade,
Cosmo,
guarda meu espírito.

Não me deixa derreter
nos braços da obscuridade
nem fugir de mim mesmo
em devaneios.
Guia-me para a tua luz,
para o teu delírio certeiro,
teu delírio perfeito,
 teu palpitar inteiro.

Escrito com Anna Raquel. 







Contigo

Não deves pensar no tempo,
ele só nos angustia.
Te apegues ao pensamento
- que é claro como o dia -
de que eu estou contigo,
como minha torpe poesia.

sábado, 30 de junho de 2012

Salomé


Eu sou Salomé, a dama das palavras

cheias de luas e sóis e temporais,
dos sorrisos tristes, das noites amargas
do Karma cansado e dos olhos fatais.

Vivo por aí como um cigano, um pária
dispersando a mar e vento minha essência
sem pudor ou calma, com um desejo intenso
de encontrar uns olhos que não sejam resistência.

Aqueles olhos claros, vívidos, dançantes,
com o seu desejo escondido em dormência
distante, nebulosa e reticente.

Inesquecivelmente delicados,
atemporais em toda a sua calma,
fixos na vaguidão da permanência.


Para A.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Karma

"Todos nascem loucos,
alguns permanecem."

Nessa entropia de
acasos amontoados,
os corações fenecem. 





quinta-feira, 14 de junho de 2012

Occam

O negro sentido das palavras
se desfaz num sopro.
Apreende-se uma ideia
e ela se desfaz com o vento.
O propósito inicial
torna-se engodo.
As palavras não comportam
o pensamento.

Não se deve interpretar,
buscar sentido.
Deixai que as palavras cresçam,
como uma flor ou um pássaro
e, livres, te povoem
o pensamento de ideias,
corram no teu sangue,
encham teu espírito.

Porque no mar de palavras
alguns se afogam
e a nós, mortais,
resta só o silencio.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Angústia

O corpo dói.
O vazio abraçar
do tempo desperdiçado.

O abraçar vazio
da eternidade que se esvai.

Imagem:  Rafael Nobre, aqui.

domingo, 10 de junho de 2012

Club Maverick

Vou ao Club Maverick
afogar minhas mágoas
em piscinas de tédio
e taças de espumante.

Testosterona
escorre pela porta
e propaganda
é servida nas bandejas
com molho madeira.

As estátuas formosas
arrastam seus mantos
de monotonia
-oh, melancolia!




Imagem: Brent Moore, in Flickr.

domingo, 3 de junho de 2012

Down

As madrugadas,
minhas madrugadas,
são melancólicas.
Ando pela rua
com um eco de noite
a me seguir.
Chego em casa,
sento-me na cozinha,
contemplo minhas violetas
murchas
e penso
que estou murchando,
como elas.

?


E das flores, o que se sabe
 além de sua frescura?
O que resta do sol
na escuridão?
Como escapar da água
e sua terna asfixia,
como partir deixando intacto
o coração?



Imagem: Impakter

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A íris negra observa

A leve nuvem de sina que me envolve
passeia com minha desesperança.
Meu corpo é vaso fútil de descrença;
meus olhos os abismos do mistério;
minh'alma, coitada, é só lembrança.




                                                                  


Imagem: 'Silhouette', Juliette Bates, in Artsy.


domingo, 27 de maio de 2012

Destempo

De repente, não mais que de repente
- mas nada é súbito, surpresa.
De repente é o ontem invejoso
que do amanhã rouba sua certeza.

sábado, 26 de maio de 2012

No bar com Bukowski

Levianamente perdida,
encaro o copo de cerveja à minha frente.

Dentro dele há gerações de homens perdidos
nos lençóis das prostitutas e no escuro da noite.





quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lolita, Brasil.

- Teu corpo se move com desejo.
- Desejo é meu estado natural,
  minha casa, meu abrigo contra o tédio.
- E não pensas que isso te faz mal?
- Maus são o comedimento e o assédio.
  Quero viver mergulhada em carnaval.

terça-feira, 22 de maio de 2012

A noite é dos noctívagos

A figura noctívaga - descrevê-la-ia com perfeição?
O que os olhos capturam o cérebro constata e a mão perde.
A longilínea sobriedade do trajar; a alva auréola de inquietação; as mãos ágeis num tato desnorteado.
A fumaça do cigarro soprada para longe das considerações. um andar de baixo, pesado, tenso. Um olhar quente - as mãos que abraçam o corpo frio, e o olhar quente.
A indecisão sem saber se é ou não contida. Um último movimento estático.

Adeus, último olhar do noctívago que enche minha angústia de calmaria.

Poema de amor ao contrário

Ah, meu dourado amor! Não cante nunca
tua paixão com toda essa ternura.
Jamais me diga "só a ti pertenço".
Com certas palavras é preciso usura.

Não diga "amo-te" como um bom dia
nem me olha todo o tempo com esse olhar
de perplexidade apaixonada
pois aos olhos, muita vez, é bom calar.

Não exija que te ame assim, intensa,
num arrebatamento irrefletido,
hoje paixão, amanhã cruel sentença.

Deixa que te ame calmamente,
como o mar, em sua profunda permanência
ou o sol, em sua distância incandescente.

Azul

Nestes lábios lunares colho um beijo
de mística e terna poesia.
Nestes olhos de vênus eu mergulho,
numa eterna confluência de carícias.

Ex-futuro

Ah, se essa tua boca
sofista de mil anos
chega aos meus ouvidos
cansados de ser,
seríamos uma incógnita
na parede do tempo,
duas vazias metades,
uma fotografia oca.

Ser


Descendo ao fundo de si, encontrava o topo
De sua etérea torre de cristais.
E, a cada interferência, sua alma doía.
Não se pode, só um pouco, ser em paz?