segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Tangled up in blues

Passa o tempo, passam ônibus e trens, aviões e horas extras, poemas, canções e festas, passa o sol, a lua, o mar, madrugada e coração, cigarro e filme do Bergman, o Caetano e o Dylan juntos, passam  Rilke e Camus, o estrangeiro dos meus olhos, passa o Sartre que eu odeio (a náusea me apagou),  passa a figueira e o banco, a praia vazia e o vento, ligações não respondidas, outras tantas desejadas, delírios de insônia fria, conversas intermináveis, silêncios frios de morte, uma cabeça espiando pela fresta da distância, uma namorada alheia, um terrível namorado , a confusão espiral dos corações desenlaçados, outra palavras despidas de sentido e sem poesia (aquele outro não via, não via; aquela outra, eu me abstenho da forma vazia), passam Freud e Dalí me explicando a minha mente, passa a gente se encontrando de repente, lindamente por acaso, naqueles dias tão dúbios de entrega e exigência (entrega tão grande e forte que é como jogar-se ao abismo, e eu cantava "en un abismo yo te esperé, por el abismo yo me enamoré" nos dias de ódio,  quando pensei que a espera sou eu quem causo, exijo, imponho e meço, a espera é minha sombra e a distância meu reflexo), passam teus olhos doentes, escuros e misteriosos, e tão doces que me perdia dentro deles ('como me he perdido por el mar'), passa o fôlego que tomo toda vez pra escrever quando cada palavra parece uma flor ou um espinho, e as lágrimas as lágrimas as lágrimas, um rio de mágoas escondidas na memória fluindo roucas pelo caminho do abismo e caindo frias na música com a tua cara e o teu fantasma que nem que fosse fantasma o seria, a tua carne não se desfaz na memória, 'e eu estou na matéria que te cerca', e poemas e poemas e poemas, e palavras e músicas e penas e alegrias tardias e inglórias e tristezas maiores que a noite e o sol. E este é o fim? Aqui estamos, imobilizados nas bordas do tempo. 





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Imagem: A seascape, shipping by moonlight, Monet.

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