A única boneca que já tive chamava-se Dominique. Não tenho certeza de ter escolhido o nome. Tanto fazia; não era meu brinquedo preferido. Gostava da terra, da rua, do sol. No sítio de meu avô, onde normalmente passávamos fins de semana e férias, havia grutas imensas, cavernas a céu aberto. Eram enormes paredões com a sombra justa para caminhar, cheios de plantas coloridas que não nasciam no impiedoso sol da caatinga. Eram cheios de frescor e eu, passeando pequena dentro deles, sentia-me a própria líder de uma expedição. Víamos lagartos; eu era uma paleontóloga num encontro com um dinossauro. Num ponto qualquer do caminho, subia com esforço a parede de terra alaranjada e olhava ao redor - terra seca, rachada, espalhando-se a perder de vista. Bem ao longe, uma casa, um pastinho. Bichos não lembro.
Contando a alguém as minhas aventuras, sempre recebo um olhar incrédulo, de piedade até, como se fosse um quadrado de terra qualquer. Eu era um pirata, aquele era meu mar. E me vêm lágrimas aos olhos; tornam-se frescor para o sol que brilha a lembrança.
segunda-feira, 29 de julho de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
É.
Até essa tristeza
Tem toda a beleza
De algo pungente
Que resiste
Só.
No amanhecer
das horas azuis,
No crepúsculo
Amarelo poluído
Ou no meio do dia
Distraído,
A saudade
Vai entrando
Pelas frestas,
Pelas festas
E florestas,
Pelos sonhos
E delírios,
Pelo norte
E pelo sul.
Toma toda
A minha cara,
Meus cabelos
Esvoaçam.
Minhas mãos
Tão sem abraço;
minha boca
Sem ação,
A canção
Em descompasso.
Tem toda a beleza
De algo pungente
Que resiste
Só.
No amanhecer
das horas azuis,
No crepúsculo
Amarelo poluído
Ou no meio do dia
Distraído,
A saudade
Vai entrando
Pelas frestas,
Pelas festas
E florestas,
Pelos sonhos
E delírios,
Pelo norte
E pelo sul.
Toma toda
A minha cara,
Meus cabelos
Esvoaçam.
Minhas mãos
Tão sem abraço;
minha boca
Sem ação,
A canção
Em descompasso.
Alucidocídio
Há um tal prazer nos bosques inexplorados;
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade;
Perto do mar profundo e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem, mas amo mais a Natureza…”
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade;
Perto do mar profundo e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem, mas amo mais a Natureza…”
Imagem: Alucidocídio, Delira
Texto: Byron
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Garden of good and evil
Evil is in the garden
Os grandes portões de ferro
As luzes à realeza russa
Árvores amarelas, laranjas e azuis piscando
As sombras de chapéu para lá e para cá
A criança com a mangueira
Trancada no banheiro
Samba de roda
Alé aiê
A letra azul que muda de significado
De acordo com o ângulo
Daniel na cova dos leões
No jardim da alienação.
http://m.youtube.com/watch?v=9dfMd6ErTm0&desktop_uri=%2Fwatch%3Fv%3D9dfMd6ErTm0
terça-feira, 23 de julho de 2013
Da garota que entendia as palavras do avesso
"Freqüentemente, os melhores momentos na vida são quando a gente não está fazendo nada, só ruminando. Quer dizer, a gente pensa que todo mundo é sem sentido, aí vê que não pode ser tão sem sentido assim se a gente percebe que é sem sentido, e essa consciência da falta de sentido já é quase um pouco de sentido. Sabe como é? Um otimismo pessimista."
Imagem de Delira, texto do velho Buk.
domingo, 21 de julho de 2013
Solidão bukowskiana
“- Escuta, alguém já te disse que se parece com outra pessoa?
- Todos nós, mais ou menos, parecemos com outra pessoa. Escuta, tem um cigarro aí?
- Claro.
Peguei meu maço.
- Por favor – ele disse –, pegue um, acenda e fume. Mantém você ocupado.”
Desconfio de quem faz questão de estar no meio da multidão. Ela não vai a lugar algum.
E a solidão parece mesmo um grande lugar para se habitar.
- Todos nós, mais ou menos, parecemos com outra pessoa. Escuta, tem um cigarro aí?
- Claro.
Peguei meu maço.
- Por favor – ele disse –, pegue um, acenda e fume. Mantém você ocupado.”
Desconfio de quem faz questão de estar no meio da multidão. Ela não vai a lugar algum.
E a solidão parece mesmo um grande lugar para se habitar.
Imagem: 'Multitude', Delira.
Texto: Pulp, Bukowski.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Inscrição
A vida me foi sempre
dúplice, angulosa.
É cordial quando nega
e escassa quando dá.
Pois escreveu meu nome
sobre uma onda cega.
E quando tenho fome
me oferece uma rosa.
dúplice, angulosa.
É cordial quando nega
e escassa quando dá.
Pois escreveu meu nome
sobre uma onda cega.
E quando tenho fome
me oferece uma rosa.
All the same, we take our chances, laughed at by Time, tricked by circumstances. |
Imagem: 'Melancolia', Van Gogh.
Texto de Cassiano Ricardo.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Kerouac
É esse aí. Me acompanhou por uns 8km de pedal na estrada do crepúsculo nublado. Não se importou com a pouca luz da noite nascente, e sentou comigo na frente da igreja. Enquanto eu queria gritar "Ó universo, aniquilai-me de uma vez por todas!", ele se enroscava em si mesmo, na mais pacífica e protetora das ações.
Um frio na espinha; os dias com essa sensação nunca são bons. Não há sorte nenhuma no mundo, como? Quem a possui são os cães; sua vida é toda feita de suavidade e devoção.
A minha... não sei por onde começar, talvez porque nada comece nunca.
Round 'n' round
carousel
has got you under it's spell
moving so fast ... but
going nowhere.
Um frio na espinha; os dias com essa sensação nunca são bons. Não há sorte nenhuma no mundo, como? Quem a possui são os cães; sua vida é toda feita de suavidade e devoção.
A minha... não sei por onde começar, talvez porque nada comece nunca.
Round 'n' round
carousel
has got you under it's spell
moving so fast ... but
going nowhere.
Imagem: 'Kerouac', Delira.
terça-feira, 9 de julho de 2013
À la Poe
Os macacos fazem ressuscitar. Era o que dizia aquele velho conto onírico psicodélico, ao menos. Na casa de D., sabiam que ele voltaria. O homem arranjara tudo desde antes de sua morte; era só por em prática. A grande casa clean vivia triste sem seu clown, por que não?
A moça e o rapaz foram atrás do macaco. Andaram pelos cantos da casa, como baratas. As madames os olhavam de esguelha, desconfiadas. No fim, resolveram com uma ligação para o além. Macaco que nada, já há telefone de almas. O clown voltou, sem piadas. A morte o havia deixado exausto. E, no porão da casa, penduravam uma linda bebê no varal, para vê-la sorrir mesmo assim. Ela sorria um riso fraco, sem dentes e úmido; um prenúncio de desgraça que me enregela o coração.
A moça e o rapaz foram atrás do macaco. Andaram pelos cantos da casa, como baratas. As madames os olhavam de esguelha, desconfiadas. No fim, resolveram com uma ligação para o além. Macaco que nada, já há telefone de almas. O clown voltou, sem piadas. A morte o havia deixado exausto. E, no porão da casa, penduravam uma linda bebê no varal, para vê-la sorrir mesmo assim. Ela sorria um riso fraco, sem dentes e úmido; um prenúncio de desgraça que me enregela o coração.
Imagem: 'Varal dos enforcados', Ludmilla Ciuffi.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Feliz Aniversário, Kafka.
"Ele estava tão enredado como uma mosca presa numa teia, na angústia e opressão de seus laços - de família, do trabalho mesquinho e da própria vida que transcorria como uma gosma dentro dele -, que exprimir isso lhe surgia como uma necessidade urgente e absoluta para ter pelo menos a esperança de lavar seu cérebro daquela viscosidade de patas que se debatiam sem conduzi-lo a lugar nenhum. Mas o pior das palavras era que, quanto mais as escrevia, mais elas pareciam afugentá-lo da nitidez de um alvo. O mais engraçado - provocando nele, em seu quarto de dormir, uma gargalhada parecendo guinchos, que enregelou a família na sala - é que foi justamente no momento em que entregou os pontos, desistindo de palavras ou pensamentos profundos, que ele entendeu que para escrever o que se passava dentro dele e ao seu redor não havia outra forma senão a mais rasteira e única possível:
"Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho intranquilo, viu que se transformara, em sua cama, numa espécie monstruosa de inseto."
Imagem: 'Franz Kafka', Warhol.
Texto: Sérgio Sant'Anna, aqui.
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