quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Strings

Umas palavras não saem, outras não chegam, e outras se perdem na garganta.
Frio na barriga é pouco; meus nervos esticam e rangem como uma corda tensa.





The air is like a knife cutting through us,
a room in the house is always warm,
stretched out on the bathroom floor thinking,
of fair days the future may hold.
(Kings of Convenience, Surprise Ice)


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Imagem: http://www.jinarimountain.com/drawings-and-sketches/broken-guitar-strings

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Cigarro, na falta de afeto.









Found my coat and grabbed my hat
Made the bus in seconds flat
Found my way upstairs and had a smoke,
And somebody spoke and I went into a dream.

I'd love to turn you on, 
but I just can't.


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Imagem: Morning Cigarette, Nicolas Rafael.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Tangled up in blues

Passa o tempo, passam ônibus e trens, aviões e horas extras, poemas, canções e festas, passa o sol, a lua, o mar, madrugada e coração, cigarro e filme do Bergman, o Caetano e o Dylan juntos, passam  Rilke e Camus, o estrangeiro dos meus olhos, passa o Sartre que eu odeio (a náusea me apagou),  passa a figueira e o banco, a praia vazia e o vento, ligações não respondidas, outras tantas desejadas, delírios de insônia fria, conversas intermináveis, silêncios frios de morte, uma cabeça espiando pela fresta da distância, uma namorada alheia, um terrível namorado , a confusão espiral dos corações desenlaçados, outra palavras despidas de sentido e sem poesia (aquele outro não via, não via; aquela outra, eu me abstenho da forma vazia), passam Freud e Dalí me explicando a minha mente, passa a gente se encontrando de repente, lindamente por acaso, naqueles dias tão dúbios de entrega e exigência (entrega tão grande e forte que é como jogar-se ao abismo, e eu cantava "en un abismo yo te esperé, por el abismo yo me enamoré" nos dias de ódio,  quando pensei que a espera sou eu quem causo, exijo, imponho e meço, a espera é minha sombra e a distância meu reflexo), passam teus olhos doentes, escuros e misteriosos, e tão doces que me perdia dentro deles ('como me he perdido por el mar'), passa o fôlego que tomo toda vez pra escrever quando cada palavra parece uma flor ou um espinho, e as lágrimas as lágrimas as lágrimas, um rio de mágoas escondidas na memória fluindo roucas pelo caminho do abismo e caindo frias na música com a tua cara e o teu fantasma que nem que fosse fantasma o seria, a tua carne não se desfaz na memória, 'e eu estou na matéria que te cerca', e poemas e poemas e poemas, e palavras e músicas e penas e alegrias tardias e inglórias e tristezas maiores que a noite e o sol. E este é o fim? Aqui estamos, imobilizados nas bordas do tempo. 





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Imagem: A seascape, shipping by moonlight, Monet.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Between the age and the hour

O tempo esmaga os sentidos como a maré forma pedras.










Shouldering your loneliness
Like a gun that you will not learn to aim.

https://www.youtube.com/watch?v=Dkyiu3GZ8eQ&index=5&list=PL9YWtZiQ5VsU4364yqDJp9IeMhSHdZMgK


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Imagem: trecho do filme A hora do Lobo, de Bergman. 



sábado, 5 de outubro de 2013

No descomeço era o tempo



Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.









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Texto: Manoel de Barros
Imagem: trecho da animação História do dedão do pé do fim do mundo. Mais aqui: http://www.plataformadoletramento.org.br/acervo-dica-letrada/330/poemas-do-escritor-manoel-de-barros-ganham-vida-em-animacao.html

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Da Fuga

"Perdi-me muitas vezes pelo mar
com o ouvido cheio de flores recém-cortadas,
com a língua cheia de amor e de agonia.

Muitas vezes me perdi pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.

Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém nascido,
olvide as imóveis caveiras de cavalo.

Porque as rosas buscam em frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
que imitar as raízes sob a terra.

Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando
uma morte de luz que me consuma."

García Lorca